A situação de pandemia pelo Covid-19 marca uma restrição
acentuada e extraordinariamente invulgar do mundo externo. De facto, o
isolamento, sobretudo em casa, de milhões de pessoas, manifesta uma grande
redução da dimensão espacial da existência humana. Neste modo restrito de
viver, sentimentos contraditórios tendem a ser vivenciados face ao espaço
alargado da convivência social - o qual, entretanto, foi drasticamente
abandonado - nomeadamente o desejo de regressar rapidamente a esse mundo
externo habitual, e o medo face à ameaça presente do Covid-19. Neste
balanceamento de sentimentos difíceis de conciliar, tem sobressaído muito mais,
pelo menos assim parece em Portugal, o medo protector face a si próprio e aos
outros, escolhendo-se predominantemente o confinamento em casa.
Neste sentido, nas circunstâncias actuais, a maioritária
percepção de redução do mundo externo, associa-se, portanto, a uma vivência
mais ou menos persistente de medo e de grande incerteza face ao futuro. Deste
modo, dadas estas tão angustiantes condições de vida a nível mundial,
poder-se-á até definir este período como uma crise existencial da Humanidade no
seu todo.
É importante frisar que este modo de estar tão difícil e
penoso na relação com o mundo externo consubstancia-se, com maior ou menor
intensidade em cada pessoa, como um convite implícito à interioridade.
Por conseguinte, o mundo interno poderá ser acedido, em
grande medida, como um refúgio possível face à «tempestade» continuada que se
assiste «lá fora». Naturalmente, as qualidades de segurança, tranquilidade e
conforto do refúgio interior serão, certamente, muito variáveis de pessoa para
pessoa, sendo, ainda assim, certo, que este abalo com tanta magnitude no viver
habitual humano conduz à necessidade premente de cuidar o melhor possível desse
«lugar» exclusivo de cada um. Enquanto a assustadora turbulência externa durar
é preciso lidar com as decorrentes maiores limitações concretas de vida, mas
também, inevitavelmente, com a tradução que toda essa situação extraordinária incita
no domínio «subterrâneo» e invisível de cada pessoa. Que efeitos são esses lá
nas profundidades do ser? Em que medida a estrutura do que se sente e pensa
face a si próprio e à relação com os outros está a ser alterada? Aquilo que se
pretendia enquanto projecto do viver está a ser modificado de que forma?
Dado o enquadramento excepcional que a Humanidade está a
viver, essa reflexão profunda e questionante será muito relevante para
encontrar renovadas respostas para o existir pessoal. E é nesse âmbito que a
psicoterapia se integra e será indubitavelmente um recurso valioso, não só pela
sensação sistemática de apoio obtido face às adversidades concretas a enfrentar
no dia-a-dia mas, sobretudo, pelo acesso à experiência intersubjectiva da
relação psicoterapêutica, a qual tem um potencial de maior amplitude de
compreensão do que a reflexão não partilhada. De facto, a psicoterapia permite
o conciliar expansivo das perspectivas diferenciadas de paciente e
psicoterapeuta sobre as grandes e pertinentes questões a serem encontradas nas
profundidades da pessoa acompanhada, lá onde o viver íntimo anseia por uma
escuta e palavras atentas, empáticas e transformadoras.
Dr. Nuno Almeida e
Sousa - Lisboa
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