quinta-feira, 9 de abril de 2020

Atenção à crise pand…existencial!






A situação de pandemia pelo Covid-19 marca uma restrição acentuada e extraordinariamente invulgar do mundo externo. De facto, o isolamento, sobretudo em casa, de milhões de pessoas, manifesta uma grande redução da dimensão espacial da existência humana. Neste modo restrito de viver, sentimentos contraditórios tendem a ser vivenciados face ao espaço alargado da convivência social - o qual, entretanto, foi drasticamente abandonado - nomeadamente o desejo de regressar rapidamente a esse mundo externo habitual, e o medo face à ameaça presente do Covid-19. Neste balanceamento de sentimentos difíceis de conciliar, tem sobressaído muito mais, pelo menos assim parece em Portugal, o medo protector face a si próprio e aos outros, escolhendo-se predominantemente o confinamento em casa.

Neste sentido, nas circunstâncias actuais, a maioritária percepção de redução do mundo externo, associa-se, portanto, a uma vivência mais ou menos persistente de medo e de grande incerteza face ao futuro. Deste modo, dadas estas tão angustiantes condições de vida a nível mundial, poder-se-á até definir este período como uma crise existencial da Humanidade no seu todo. 

É importante frisar que este modo de estar tão difícil e penoso na relação com o mundo externo consubstancia-se, com maior ou menor intensidade em cada pessoa, como um convite implícito à interioridade

Por conseguinte, o mundo interno poderá ser acedido, em grande medida, como um refúgio possível face à «tempestade» continuada que se assiste «lá fora». Naturalmente, as qualidades de segurança, tranquilidade e conforto do refúgio interior serão, certamente, muito variáveis de pessoa para pessoa, sendo, ainda assim, certo, que este abalo com tanta magnitude no viver habitual humano conduz à necessidade premente de cuidar o melhor possível desse «lugar» exclusivo de cada um. Enquanto a assustadora turbulência externa durar é preciso lidar com as decorrentes maiores limitações concretas de vida, mas também, inevitavelmente, com a tradução que toda essa situação extraordinária incita no domínio «subterrâneo» e invisível de cada pessoa. Que efeitos são esses lá nas profundidades do ser? Em que medida a estrutura do que se sente e pensa face a si próprio e à relação com os outros está a ser alterada? Aquilo que se pretendia enquanto projecto do viver está a ser modificado de que forma? 

Dado o enquadramento excepcional que a Humanidade está a viver, essa reflexão profunda e questionante será muito relevante para encontrar renovadas respostas para o existir pessoal. E é nesse âmbito que a psicoterapia se integra e será indubitavelmente um recurso valioso, não só pela sensação sistemática de apoio obtido face às adversidades concretas a enfrentar no dia-a-dia mas, sobretudo, pelo acesso à  experiência intersubjectiva da relação psicoterapêutica, a qual tem um potencial de maior amplitude de compreensão do que a reflexão não partilhada. De facto, a psicoterapia permite o conciliar expansivo das perspectivas diferenciadas de paciente e psicoterapeuta sobre as grandes e pertinentes questões a serem encontradas nas profundidades da pessoa acompanhada, lá onde o viver íntimo anseia por uma escuta e palavras atentas, empáticas e transformadoras. 



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