quinta-feira, 2 de abril de 2020

Porquê fazer psicoterapia? - Reflexões acerca do que torna a relação terapêutica psicodinâmica numa relação única.





Durante a nossa vida estabelecemos muitas relações - umas mais saudáveis, completas ou com um maior potencial de satisfação; outras nem tanto, menos saudáveis, parciais ou com um maior potencial de frustração. A perspetiva psicanalítica ou psicodinâmica observa todas estas relações e, no contexto terapêutico, tem o objetivo de devolver à pessoa (considerando sempre a sua história individual) o que a própria já contém dentro dela, impossibilitada, no entanto, de ver em si mesma.
A relação terapêutica num contexto dinâmico é uma relação única. Um modelo de relação que não se encontra em mais lugar nenhum. Mas mais concretamente o que oferece a relação terapêutica dinâmica ou psicanalítica de tão diferente de outros tipos de relação?

Em primeiro lugar
Em primeiro lugar, e também comum a outros tipos de psicoterapia, a relação paciente-psicólogo é única pelo lugar que a pessoa que vai em busca do autoconhecimento ocupa. Neste contexto, o paciente está em primeiro lugar, num lugar de destaque. É um espaço privado e particular para cada pessoa - durante aquele tempo e aquele espaço a única pessoa importante é de facto a pessoa à nossa frente - o que diz, o que não diz, o que sente e o que não se permite a sentir.
O outro lugar
No entanto, este lugar destacado do paciente não é por si só suficiente para afirmar a singularidade da relação terapêutica psicanalítica. O lugar do psicólogo é bastante importante no sentido do que o profissional pode oferecer à pessoa que procura compreender-se melhor. Este lugar abarca então a formação do profissional - de onde advêm ferramentas essenciais para a compreensão do paciente nesta relação - e o próprio investimento pessoal do profissional. Um bom profissional nesta área faz ou já fez o seu próprio processo psicoterapêutico e também supervisão (processo onde se discutem os casos, mantendo sempre a privacidade e o anonimato, de modo a refletir potenciais pontos cegos do psicólogo sobre os seus pacientes) - possibilitando assim um olhar sobre si e sobre o outro bastante mais claro e desintoxicado de algo que não pertença a cada relação terapêutica em particular.

Novo lugar
Até agora, como algo que não se encontra em mais nenhuma relação, podemos observar duas particularidades. A primeira que destaca o paciente, e a segunda que tem que ver com o investimento do profissional. Em conjunto e na relação estabelecida, o espaço total para o paciente dentro da sessão e o espaço interno de compreensão por parte do profissional permitem a reflexão desintoxicada acerca do paciente – permitem o espaço para o novo. Existe ainda algo especialmente particular relativamente à perspetiva psicanalítica ou psicodinâmica, metaforizando: é como se existisse uma estrada em que o paciente é o condutor de um carro e o psicólogo o seu copiloto. Quem escolhe o caminho é de facto a pessoa que conduz. A função do copiloto passa por estar atento a todos os outros fatores que possam prejudicar ou ajudar o piloto na sua condução - os obstáculos no seu caminho; o caminho já percorrido; o estado do carro; o estado do piloto, ... - mas nunca escolher o caminho pelo piloto, uma vez que não é essa a sua função. É o paciente que é visto como o maior detentor de conhecimento acerca de si mesmo e, portanto, é este que conduz o caminho da sua análise. Voltemos então a olhar novamente para o lugar do psicólogo de perspetiva psicanalítica. Este, de forma a observar tudo como realmente é para cada pessoa, precisa de escutar aquilo que a pessoa diz, o manifesto, e escutar também aquilo que a pessoa não diz - aquilo que está escondido naquilo que está a ser dito e que, por alguma razão, não está a ser falado - o latente. Voltando à metáfora anterior, faz parte da função do copiloto (psicólogo) estar atento tanto ao caminho que está a ser feito pelo piloto (paciente) como aos ângulos mortos impossibilitados de serem vistos por este, por estar a desempenhar outra função, já exigente por natureza, conduzir.
Concluindo, este novo lugar que se cria entre o paciente e o psicólogo tem espaço para acontecer uma vez que existe um olhar em relação ao que está manifesto e ao que está escondido, em conjunto com os lugares ocupados pelo psicólogo e pelo paciente acima descritos. Na relação terapêutica é elaborada a dois uma mistura exclusiva, especial e particularmente íntima apenas possível de se experienciar num processo psicoterapêutico ou de psicanálise. 



Dr. Sérgio Pereira - Setúbal
O Canto da Psicologia



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