quinta-feira, 16 de março de 2017

Porque pai há só um...








Foi ele que me trouxe da Bélgica quando eu tinha apenas 5 anos, quando a minha mãe optou por outra vida e se esqueceu de nós. Ele foi tudo para mim: meu pai, minha mãe, quem me educou, quem me ensinou a defender-me e a lutar pelos meus ideais. Aqui em Portugal, ele deu-me outra mãe, a mim e à minha irmã, a mãe com quem ele aprendeu a ser o melhor pai do mundo, a nossa avó. Da minha mãe pouco mais soube, quando aparecia cá em Portugal só punha o meu pai em causa e à educação que ele se esmerou por nos dar. Devo-lhe tudo o que tenho, tudo o que conquistei e cresci, devo-lhe ser mulher, só por ele pude ser tudo o que sou… Mas hoje em dia também não me consigo esquecer que lhe devo tudo o que não sou. Tem sido tão difícil lidar com este sentimento! Por um lado, ele é, sem dúvida, o homem mais importante da minha vida. Por outro lado, só tenho 30 anos, queria a minha vida de volta, queria pensar em ter a minha própria família, não queria ser “mãe” do meu pai, queria e ainda precisava tanto de ter o meu pai comigo, para me dar conselhos, para me dar carinhos, para ralhar comigo… mas não, sou eu que cuido dele, sou eu que faço tudo por ele, sou eu que o acordo e deito, sempre, e só à espera de um dia em que ele irá sentar-me no seu colo e dizer-me, como me dizia enquanto eu crescia, “filha, gosto tanto de ti”. Como é que posso lidar com este sentimento? Se por um lado o que mais queria era ter o me pai de volta, por outro sinto esta culpa por estar cansada de abdicar a minha vida…” Alexandra, 30 anos (chegou para Psicoterapia por Crises de Ansiedade, associando o pedido ao facto de ser cuidadora do pai).

Há duas ou três semanas que o meu pai está diferente. Não sei o que se passa, mas parece distante, parece mais esquecido, nem se lembra, ao jantar, do que cozinhou e comeu ao almoço. Essa é outra das minhas preocupações, que fique em casa sozinho, que mexa no gás, que possa cair, que saia de casa e possa não conseguir voltar… Nunca pensei que um dia o meu pai deixasse de me conhecer, será que isso poderá acontecer? Também nunca pensei que o visse, um dia, tão vulnerável, ele que nunca me mostrava um sorriso, ele para quem eu só me poderia dirigir em caso de força maior…O médico diz que pode ser da idade, que pode estar, apenas, a atravessar um momento mais triste e deprimido, que poderá estar doente…que poderá ser Alzheimer… E o pior, o pior é vê-lo a sofrer, pois ele sabe que há algo que já não está bem, ele sabe que “já não é o mesmo homem” “. Mário, 52 anos (pediu Avaliação Neuropsicológica para o pai, de 72 anos, tendo o resultado afastado presença de Demência de Alzheimer).


Estes são dois casos em que dois pacientes nos procuraram, não obstante a necessidade de psicoterapia que tinham, por motivos relacionados com a preocupação e cuidado que prestavam aos seus pais.
O pai, essa figura que tem vindo a mudar tanto de papel, de imagem, de fotografia emocional ao longo dos anos e das gerações. Há muitos anos temido, associado à figura, até cinematográfica, do “pai tirano”, aquele que tinha a última palavra, tantas vezes punitiva, tantas outras castradora, aquele de quem a mãe escondia os pequenos ralhetes para que se abafassem no segredo dos deuses, aquele que dificilmente aprovaria o futuro genro, aquele que, em alguns casos, não vestia esse papel nem tinha esse chavão do controlo, mas que tantas gerações, quer por tradição, por mito ou apenas por medo, se privaram do calor e amor do seu colo por receio que ele não soubesse estar lá.

Felizmente, a mudança do paradigma do papel do pai na participação positiva na infância e o seu envolvimento, cada vez mais marcadamente positivo, têm, hoje em dia, uma maior preponderância no desenvolvimento precoce das crianças, futuros adultos, quem sabe futuros pais ou futuros filhos/cuidadores. Se a sociedade de hoje nos pode ter trazido frutos tão positivos, um deles é o cessar do modelo de família tradicional, erradamente organizado segundo uma hierarquia em que a figura paterna se baseava, essencialmente, no poder económico e de controlo e autoridade, isentando-se, na maior parte dos casos, de possíveis manifestações afetivas para com os seus filhos. E há tanto que as nossas crianças podem lucrar, por poder viver todo esse amor paterno, altamente notório no desenvolvimento cognitivo, emocional, psíquico e social de uma criança. Guy Coreant, Psicólogo Clínico especializado nas mudanças no papel da parentalidade ao longo das épocas, afirma que “o pai é o primeiro outro que a criança encontra fora do ventre da mãe”, sendo esta presença que lhe vai servir como suporte e apoio, possibilitando a negação da simbiose com a mãe e a passagem do mundo estrito da família para o mundo da sociedade.

Aqui, pel' O Canto da Psicologia, todos os pais têm um lugar nos nossos divãs: os que são, os que desejam ser, os que lutam pelos seus, os que têm para eles um lugar especial no coração e até aqueles que precisam de se zangar com eles…

Feliz Dia do Pai, é já no domingo, não se esqueça!


Drª Cláudia Ribeiro
O Canto da Psicologia



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