Ode ao Deus Jano: ou a Perda como Possibilidade de Transformação
Em Janeiro de 2016 foi-me pedido que escrevesse pequenos ensaios mensais para o Blog do Canto da Psicologia. Sem saber sobre o que escrever usar nome dos meses, Janeiro, Fevereiro... como mote para temas que fossem de interesse ao campo geral da Psicologia.
De todos os meses, acredito que Janeiro, seja, argumentavelmente, o mês com maior carga simbólica. É que o nome Janeiro remete para o deus romano Jano, o deus das saídas e das entradas.
Trata-se de um deus representado com duas faces, uma que olha para o passado e outra que contempla o futuro.
Na prática clínica diária, há que admitir, é neste espaço que nos inscrevemos, entre a aprendizagem com o passado e a transformação do futuro.
Espreitar para o passado pode ser um trabalho duro. Porque provoca a sensação de permanência da repetição e permite a emergência de um sufoco claustrofóbico. Mas sem a re-inscrição do passado na estrutura actual perdem-se as referências identitárias e a possibilidade de aprendizagem com a experiência.
Sem esta aprendizagem, paradoxalmente, fecha-se o ciclo recursivo que promove a repetição, e portanto a perpetuação, do passado, no futuro.
Aceitar o passado como referência do si-mesmo, implica a integração do-que-foi naquilo que-é.
Em 1917, no artigo Luto e Melancolia, Sigmund Freud escrevia uma enigmática e histórica frase: 'e a sombra do objecto abateu-se sobre o eu'.
Perante a perda de algo ou alguém, a mente, tende a apropriar-se das características do ente perdido assumindo-as como suas. Esta é a forma da mente aceitar o que perdeu concebendo agora a sua inexistência como uma existência interna.
Se é verdade que, neste contexto, abre-se a possibilidade de caída na melancolia, também é verdade que esta introjecção promove uma transformação interior.
Esta é, como se sabe, uma transformação que implica sofrimento.
Acontece que, para o bem ou para o mal, não é possível crescer sem sofrimento.
Dr. Fábio Veríssimo Mateus
O Canto da Psicologia
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