“Toda mulher parece com uma árvore. Nas camadas
mais profundas de sua alma ela abriga raízes vitais que puxam a energia das
profundezas para cima, para nutrir suas folhas, flores e frutos. Ninguém
compreende de onde uma mulher retira tanta força, tanta esperança, tanta vida.
Mesmo quando são cortadas, tolhidas, retalhadas, de suas raízes ainda nascem
brotos que vão trazer tudo de volta à vida outra vez.”
Clarissa
Pinkola
Ontem foi o dia da mulher, mas há tanto para refletir, que
um dia é pouco, para a complexidade do tema. Sobre o ter um dia dedicado a esta
celebração, penso que justifica-se, na medida em que foram muitos os
sofrimentos, guerras e conquistas das mulheres ao longo dos tempos. É
importante relembrar sobre a nossa evolução e história, se recordarmos há 30
anos atrás, a mulher não podia exercer o seu voto, não podia sair do País sem
autorização do marido, saia da casa dos pais para casar com o noivo, num ato de
passagem, paternalista e condescendente, de pai para o marido. A mulher tinha
pouca voz, sucumbia aos desejos do outro, raramente se impunha, ou partilhava
as suas próprias ideias, só mesmo em famílias muito evoluídas e especiais é que
tal acontecia.
Neste contexto é incrível pensarmos, mas não foi há muito tempo,
que as mulheres estavam desprovidas dos seus direitos nomeadamente,
identitários, de ter uma voz e um desejo próprio. De certa forma, este inconsciente
coletivo, mantêm-se mesmo que conscientemente, se considere que já
ultrapassamos estas barreiras, com o surgimento das leis, mas na realidade,
sabemos que não é bem assim.
Continuamos a observar notícias diárias, de violência contra
as mulheres, todos os anos, em 2015 morreram em Portugal, 40 mulheres e em 2016,
foram 30, sendo que pelo menos 19 mulheres são vítimas, todos os dias, de
Violência Doméstica (dados retirados da APAV).
Com estes indicadores chocantes e alarmantes, conseguimos
ter uma noção, mais clara, de que os direitos da mulher ainda estão em vias de
ser implementados, apesar de a violência doméstica estar legislada como crime
público. As leis existem, mas na prática o que vem à tona são os modelos
relacionais patológicos, ainda enraizados nos preconceitos e na discriminação,
quiçá de influência judaico-cristã.
A mulher ainda está
incluída nos grupos “minoritários” não por estar em minoria, mas devido a, por
vezes, não investirem numa postura de autodefesa, proteção e enaltecimento do
papel da mulher na sociedade e na família. Estes ciclos de violência são
transgeracionais e, em certas situações, até as próprias mulheres os podem
alimentar, através da forma como educam as suas filhas e seus filhos, assim
como, os pais.
Assistimos, desta forma, a uma violência exacerbada e
continuada contra a mulher em pleno século XXI. Foram alcançados tantos
direitos, no entanto, a força da cultura, da educação dos estilos relacionais
ainda falam mais alto, mesmo que pensemos que não. Na verdade são ideias
automáticas e inconscientes, que dificilmente são consciencializadas, mesmo que
consideremos ter horizontes abertos e grande capacidade de evolução.
A questão não é assim tão fácil, as mulheres em termos
societários continuam a ter, de uma forma generalizada, ordenados mais baixos
do que os homens, em Portugal, apenas têm direito a 6 meses de baixa de
maternidade. Todos estes dados, aparentemente, inofensivos traduzem muito sobre
a nossa sociedade, em que ponto está e o quanto, ainda, há para percorrer.
Infelizmente, em
algumas relações afetivas, está presente uma discriminação grave, a existência
de relações tóxicas, com padrões desviantes de masoquismo e sadismo, são
ligações narcísicas e perversas, de controlo, poder e submissão identitária ao outro.
A higienização relacional implica uma mudança de paradigma, sobre o que é
considerado saudável ou não nas posturas e atitudes relacionais. Uma relação
saudável implica que cada um esteja na relação por inteiro, com auto-estima e
com um narcisismo bem nutrido. Narcisismo, este que é construído, na infância e
com relações de qualidade com os mais significativos.
Deste modo o feminino que representa a criação, o amor
oblativo, a vida, ainda tem de ser respeitado, amado, na liberdade, pois quando
se ama o outro, o nosso coração se alegra com a sua felicidade, luz e sucesso.
Dra Mafalda Leite Borges
O Canto da Psicologia
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