quarta-feira, 7 de junho de 2017

Avó Senhorinha...




SENHORINHA DE MATOS


Senhorinha de Matos era o que sua graça dizia. Senhora, pequenina, vinha de um lugar onde há uma Senhora dos Matos, com capela numa ermida.
Senhorinha de Matos fez a terceira classe com uma distinção tamanha que a dispensaram da quarta.
Sussurrava a ler e a rezar. Fazia rodilhas para amansar o cansaço dos anos que varavam.
Senhorinha viveu 60 anos numa casa onde um gato façanhudo chamado Bigodes comia pepino e uma burra que respondia por Boneca zurrava noite dentro. Tinha os olhos de todo o azul e o sorriso das purezas do mundo.
Senhorinha teve sete filhos e o tifo levou-lhe a Gisela aos 17 num caixão branco.
A viuvez tirou-a de onde queria estar e levou-a para onde se conformou em ir, a uma quinzena por casa de cada filho que distribuiu por esta mortal passagem.

A cada vez que passava de carro por uma ponte, indagava se era aquela já era a de Vila Franca, que tinha como único marco de um caminho.
Senhorinha nunca deixou de fazer rodilhas e de perguntar “então já aí vens” quando alguém assomava à sala depois de virar costas ao dia que ficava lá fora.
Produziu filhos campesinos, suportou netos citadinos. Sem um ralhete.

Uma tarde deitou Senhorinha ao azulejo de um chão onde rezou os últimos sussurros.

Sentado ao remanso das sombras, encostado à nora velha e a olhar o tomilhal, penso nela, na avó e de todo o azul que lhe encimava o sorriso. Avó Senhorinha.
Senhorinha de Matos foi um fio de vento. Uma brisa em sussurro.
Falta-me um pedaço de qualquer coisa ao levantar...

Vou à procura da última rodilha que a minha avó me fez.

Filipe Alexandre Dias
Jornalista




Sem comentários:

Enviar um comentário