Muitas foram as linhas já escritas, as
opiniões emitidas, as imagens e/com slogans
exibidos, a propósito daquela que é - pois o fogo ainda lavra, enquanto
este texto é redigido - e provavelmente será considerada uma das maiores
tragédias, da história portuguesa recente. Não seriam precisas as intervenções
públicas dos profissionais de saúde mental, mais concretamente dos psicólogos,
para existir uma noção e até compreensão alargada do impacto do acontecimento,
na vida dos directa e indirectamente envolvidos e do país no seu todo. Embora
as mesmas se saúdem, sobretudo as que dizem respeito à premência de intervir de
imediato, parecem, todavia, carecer de uma reflexão mais alargada, mais psico e
socialmente consciente; enfim, que extravase a simples tentativa de firmar os
potenciais contributos da psicologia numa tragédia desta escala.
…
A história global deveria ter-nos
ensinado, a todos, muito mais. Nos Estados Unidos da América, ainda hoje estão
por aferir, em concreto e de forma exaustiva, os impactos nefastos nas crianças
sideradas em frente ao televisor e nos adultos que o permitiam, do visionamento
repetido e contínuo de pessoas desesperadas a lançar-se dos outrora edifícios
do World Trade Center.
A dita
necessidade de informar e de levar a casa de todos “o que acontece no país e no
mundo” autoriza a difusão de cenas de horror e terror, violência e morte,
desespero e vazio. É então nesse preciso momento, que outros interesses se
impõem e a irresponsabilidade humanista dos meios de comunicação alcança a sua
apoteose… e que o dito necessário
passa a excessivo. Mais grave ainda, todos assistimos a este espetáculo atroz,
dantesco, inominável, sem qualquer noção do contributo (activo ou passivo) de
cada um para que o mesmo se mantenha e perpetue.
Quantas vezes vamos expor os
sobreviventes (alguns ainda feridos) à revivência do seu próprio trauma?
Quantas vezes vamos impor às famílias dos falecidos um grotesco encontro
perceptivo (por vezes até uma encenação) com os momentos, locais e a imagética
onde pereceram os seus entes queridos (filhos, pais, irmãos, netos, etc.),
amigos, amados? Por quantas vezes aqueles que perderam os seus bens materiais
terão de os ver queimados, ardidos, em cinzas, ou a arder? E o fumo e as chamas?
Quantas vezes teremos que ver o seu poder destrutivo? E os que as cheiraram? E
os que as sentiram? Alguns na pele… Quantas vezes a perda? A dor?
O processo de “vitimação secundária”
(dos directa e indirectamente envolvidos) e de vitimação indirecta (de todos
nós) está em marcha e os seus efeitos funestos são incomensuráveis. Pior, tendo
em pano de fundo a silly season auguram-se
as longas e intermináveis reportagens de testemunhos (com certeza genuínos,
sofridos), que não deixarão quaisquer
brasas da dor apagar.
…
Deveria também ser sobre o supra
mencionado e questões daí derivadas, que os sempre bem-pensantes arautos do valioso
contributo da psicologia para tudo e mais qualquer coisa deveriam reflectir e
pronunciar-se. Deveriam fazê-lo, para informar o cidadão individual e a
sociedade em geral, ao invés de apenas papaguearem truísmos. Mais importante, deveriam
com isso dotar os agentes decisores e reguladores (neste caso particular a
Entidade Reguladora para a Comunicação Social) de informação e conhecimento – esse
sim técnica, clínica e cientificamente específico da psicologia - que permita,
o quanto antes, a revisão de algumas das directrizes para os meios de
comunicação, a fim de que os critérios editoriais possam espelhar e propagar inteligência,
consciência e responsabilidade social – para que o necessário, não seja
excessivo.
Dr. Pedro Rodrigues Anjos
O Canto da Psicologia
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