quinta-feira, 7 de abril de 2016

Do outro lado do Rio...








Os meus pais dizem que o mundo é complicado! Dizem isso muitas vezes quando lhes faço perguntas assim…difíceis. Quando há coisas que eu não compreendo eu pergunto a eles…e há muitas coisas que eu não compreendo.
Por exemplo, quando falo com eles sobre o meu amigo Zé. O meu amigo Zé…os outros meninos acham que ele é estranho…dizem coisas. Eu só acho que ele é diferente, o que eu acho é que eu sou diferente dele! O Zé senta-se numa carteira sozinho, junto à mesa da professora, ele tem os livros dele e vai aprendendo coisas que eu e os meus amigos já aprendemos noutras classes. O Zé não gosta de dar chutos na bola de futebol, mas gosta muito da minha bolinha prateada que tá pendurada no fecho da minha mala. Eu todos os dias falo com ele, digo sempre Olá e se ele estiver sozinho no recreio vou para o lado dele…às vezes conto histórias, como o Zé não fala…é assim ele quase não fala, mas fala muito pouquinho. Então eu falo para ele, ele não olha para mim mas eu acho que ele ouve as minhas histórias e acho que sabe que sou amigo dele. Quando estou ao pé dele ele nunca vai embora, por isso deve saber! Os outros amigos não brincam com ele, só querem chutar a bola de futebol e um disse que ele tinha autismo!! Perguntei à minha mãe se eu podia ter autismo, mas a minha mãe ficou esquisita e fez uma cara de boneco ou assim. E disse: -  Não! Claro que não! Tu não tens autismo! - E eu perguntei a ela: Mas sabes como posso ter ou se posso comprar para mim e para os meus amigos? Assim podíamos brincar com o meu amigo Zé!! E pronto a minha mãe disse que era complicado e que não era uma coisa que escolhemos e assim. Mas o que eu acho é que o que ela não sabe é que o que é complicado é o Zé não ter ninguém que conheça as suas brincadeiras e consiga brincar mesmo mesmo com ele percebes? Isso é que é difícil não é?

E torna-se irresistível responder ao Manel que sim. Sim isso é que difícil Manel, viver e olhar um mundo que parece desejar constantemente que todos se ajustem a ele, sem que este desça ao chão e não brinque com o que seria suposto, olhe pormenores que mais ninguém consegue ver, que se silencie e tente traduzir uma linguagem que não entende, entre tantas outras coisas. O Manel aos 7 anos apenas desejava estabelecer uma ponte, uma ponte com ambos os sentidos, mas que estava disposto na altura da sua bravura a atravessar em primeiro e conhecer um terreno encapsulado de emoções e misterioso em fantasias. E como é simples criar pontes emocionais que em vez de pressionar e coagir vincadamente os muitos “Zés” que apenas vivem do “outro lado do rio”, permitam ir a esse lado do rio e olhar primeiramente a margem de cá. E aí sim sentir entre os dedos uma bola prateada de metal presa numa mochila e fixar o olhar no céu e ver para lá das nuvens e do profundo azul, e fazê-lo ali mesmo acompanhado por aquele amigo e outros amigos, até que se seja possível sentir pela primeira vez o olhar nos olhos e, talvez, e o dizer do nome. Há “magias” que só acontecem quando somos brilhantemente capazes de enfrentar os medos e os estereótipos e atravessar a ponte para o “outro lado do rio”.


Drª Joana Cloetens
O Canto da Psicologia




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