quarta-feira, 21 de junho de 2017

Pedrogão Grande: entre o necessário e o excessivo.





          Muitas foram as linhas já escritas, as opiniões emitidas, as imagens e/com slogans exibidos, a propósito daquela que é - pois o fogo ainda lavra, enquanto este texto é redigido - e provavelmente será considerada uma das maiores tragédias, da história portuguesa recente. Não seriam precisas as intervenções públicas dos profissionais de saúde mental, mais concretamente dos psicólogos, para existir uma noção e até compreensão alargada do impacto do acontecimento, na vida dos directa e indirectamente envolvidos e do país no seu todo. Embora as mesmas se saúdem, sobretudo as que dizem respeito à premência de intervir de imediato, parecem, todavia, carecer de uma reflexão mais alargada, mais psico e socialmente consciente; enfim, que extravase a simples tentativa de firmar os potenciais contributos da psicologia numa tragédia desta escala.
          A história global deveria ter-nos ensinado, a todos, muito mais. Nos Estados Unidos da América, ainda hoje estão por aferir, em concreto e de forma exaustiva, os impactos nefastos nas crianças sideradas em frente ao televisor e nos adultos que o permitiam, do visionamento repetido e contínuo de pessoas desesperadas a lançar-se dos outrora edifícios do World Trade Center.
          A dita necessidade de informar e de levar a casa de todos “o que acontece no país e no mundo” autoriza a difusão de cenas de horror e terror, violência e morte, desespero e vazio. É então nesse preciso momento, que outros interesses se impõem e a irresponsabilidade humanista dos meios de comunicação alcança a sua apoteose… e que o dito necessário passa a excessivo. Mais grave ainda, todos assistimos a este espetáculo atroz, dantesco, inominável, sem qualquer noção do contributo (activo ou passivo) de cada um para que o mesmo se mantenha e perpetue.
          Quantas vezes vamos expor os sobreviventes (alguns ainda feridos) à revivência do seu próprio trauma? Quantas vezes vamos impor às famílias dos falecidos um grotesco encontro perceptivo (por vezes até uma encenação) com os momentos, locais e a imagética onde pereceram os seus entes queridos (filhos, pais, irmãos, netos, etc.), amigos, amados? Por quantas vezes aqueles que perderam os seus bens materiais terão de os ver queimados, ardidos, em cinzas, ou a arder? E o fumo e as chamas? Quantas vezes teremos que ver o seu poder destrutivo? E os que as cheiraram? E os que as sentiram? Alguns na pele… Quantas vezes a perda? A dor?
          O processo de “vitimação secundária” (dos directa e indirectamente envolvidos) e de vitimação indirecta (de todos nós) está em marcha e os seus efeitos funestos são incomensuráveis. Pior, tendo em pano de fundo a silly season auguram-se as longas e intermináveis reportagens de testemunhos (com certeza genuínos, sofridos), que não deixarão quaisquer brasas da dor apagar.

          Deveria também ser sobre o supra mencionado e questões daí derivadas, que os sempre bem-pensantes arautos do valioso contributo da psicologia para tudo e mais qualquer coisa deveriam reflectir e pronunciar-se. Deveriam fazê-lo, para informar o cidadão individual e a sociedade em geral, ao invés de apenas papaguearem truísmos. Mais importante, deveriam com isso dotar os agentes decisores e reguladores (neste caso particular a Entidade Reguladora para a Comunicação Social) de informação e conhecimento – esse sim técnica, clínica e cientificamente específico da psicologia - que permita, o quanto antes, a revisão de algumas das directrizes para os meios de comunicação, a fim de que os critérios editoriais possam espelhar e propagar inteligência, consciência e responsabilidade social – para que o necessário, não seja excessivo.



Dr. Pedro Rodrigues Anjos
O Canto da Psicologia



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