sexta-feira, 25 de agosto de 2017

fa-mí-li-a






“Todas as famílias têm problemas. Não há famílias perfeitas, só que há umas que fingem melhor.”

Esta foi das primeiras frases que ouvi quando comecei na psicoterapia. Não sei se era exatamente assim que a Psi dizia, mas a mensagem era esta, ou não fosse a nossa família uma das causadoras frequentes de nos sentarmos no sofá a “psicoterapiar”.

Parece frase feita, mas é uma boa e grande verdade que demorei a perceber, a trabalhar e a aceitar.

Na minha alegoria, eu via as outras famílias em perfeito estado de alegria permanente. Sempre unidos. Sempre fortes. Sem discussões. Perfeitas famílias.

O desconstruir deste mito, de que não há famílias perfeitas e que a minha não era diferente, foi um caminho difícil, resisti a forçar-me a olhar para o “fogo” muitas vezes e preferia voltar para o conforto da minha caverna. Neguei-me muitas vezes a ir atrás das insistentes investidas da Psi para ver a realidade sem sombras, e às teorias Freudianas como a Psi às vezes gostava de referenciar.

É que falar dos nossos não é pera doce. Pelo contrário, deixa um amargo de boca que não se esquece quando se fala do que não é perfeito em nós e nos nossos, e mais ainda quando batemos lá no fundo e temos que desconstruir a alegoria desta gruta familiar. E dói. E zanga. E irrita. E enraivece.

Nesta gruta, não havia figuras maternais frágeis, mas sim as tradicionais matriarcas fortes a segurar as emoções da prole.
Não existiam mães demasiado ocupadas com tudo o resto menos connosco.
Não existiam irmãs que mais pareciam ter vindo de outro planeta, mas sim cumplicidade e admiração mutua.
Não existiam pais que o eram só de nome, mas sim verdadeiros chefes de família que providenciavam aos seus, constantes experiências e ensinamentos.
Não existiam avós que nunca se conheceram, mas sim “a casa dos avós” onde os netos se podiam refugiar, e onde havia sempre colo, consolo e cheiro a bolos.
Não havia férias em parques de campismo, mas sim tempos divididos entre as casas que ficaram na família desde sempre, e os toldos da praia de todos os verões.
Não havia discussões à mesa.
Não havia pouco tempo.
Não havia ausências.

A psicoterapia foi fundamental para desconstruir este mito da perfeição , agora cada vez mais alimentado nas redes sociais, com feeds de imagens de famílias perfeitas, que até nos momentos menos felizes exalam perfeição.
Neste avanço e recuo, fui caminhando para sair da gruta.

Não foi a frase que fez mudar a minha visão, foi sim o permitir-me falar dos meus e do que me incomodou, magoou e entristeceu tantos anos sem culpas.
Foi o perceber que quando somos pequenos temos uma imaginação com recursos infindáveis e que nem tudo o que parece é.
Foi descobrir que afinal houve tantos bons momentos e que eram os nossos, exclusivos da nossa família.
Foi aprender a rir com coisas que hoje provavelmente não repetiria com a minha, mas que conto ao meu filho sem pudor e com orgulho.
Foi perceber que não preciso de outra família, porque tenho na minha tudo o que preciso e que afinal esteve sempre ali.
Foi aceitá-la tal qual como é.

Hoje continuo sem saber se há famílias na medida exatamente oposta da como era a minha. A diferença é que já não quero saber.
Aceitei a minha e o papel que tenho nela, e que todos tiveram e que felizmente continuam a ter.

Para mim esta tomada de consciência foi uma bênção, foi o remédio para muitos dos meus males e das minhas dores.  E foi a “medicação” preventiva para a família que tenho vindo a construir.


Petra


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