quinta-feira, 12 de outubro de 2017

A dor invisível...









A dor crónica é como aquele vizinho horrível que faz imenso barulho e que não percebe (ou não quer perceber) o quanto é incomodativo. Uma pessoa fala com ele a bem, até sorri de forma especial para cair nas suas boas graças, na expectativa de que na próxima vez ele tenha mais cuidado. Mas não. Tal como este vizinho que tantas vezes roça o insuportável e que não tem qualquer intenção de mudar, a dor crónica teima em persistir para além do descanso, da medicação, da alteração dos estilos de vida, e de todas as mudanças introduzidas na esperança de que algo mude para melhor. Torna-se destrutiva, arrasadora, capaz da mais profunda e perturbadora metamorfose.
Para piorar a situação, esta dor é muitas vezes invisível. Um braço partido é engessado, uma cabeça partida é cosida, e o seu carácter público parece que valida, pelo menos em parte, as queixas que daí podem decorrer. Mas a dor crónica pode estar escondida dentro do corpo de quem a sente, rastejando mesmo por baixo da pele, qual pequena térmita que vai esburacando de forma incontrolável aquilo com que se depara. E parece que faz gala em aparecer quando menos se precisa dela. Como se alguém, alguma vez, lhe fosse sentir a falta…

Quando se sente necessidade e dificuldade em validar perante o outro o sofrimento decorrente de uma dor que não se vê mas que se sente, e se do lado de lá não houver um olhar empático, contentor e aceitante desta fragilidade, esta dor pode-se tornar tão predominante em tudo quanto se faz que passa a ser antecipada e catastrofizada; mesmo antes de ser sentida, já é arrasadora e incapacitante, e nem se consegue conceber que talvez possa não ser assim. E deixa de ser sentida só no corpo para passar a invadir, com uma força avassaladora, até aqueles recantos que nem se sabia que existiam. Para lá dos limites do aceitável, para lá da razão, entre a loucura e o desespero do que ainda não está cá mas que certamente chegará.

Existem inúmeros estudos que relacionam a dor crónica com a depressão, a ansiedade e a diminuição da qualidade de vida. Não sendo uma relação inequívoca e invariável, parecendo ser possível viver com dor crónica sem que haja sofrimento psicológico exagerado, o que é que nos protege? Concebemos que algo em nós, seguramente. É necessário que se consiga manter a integridade do self, mesmo perante esta ameaça externa que se torna tão interna como só a dor crónica o consegue fazer. Algo que funcione como guardião das portas que levam ao centro de nós, e que impeça que nos desorganizemos perante tão intensa provação. Isto vem não só do agora, dos nossos recursos atuais, mas também (e principalmente, diríamos nós) daqueles que começaram a ser erigidos há muito, muito tempo, numa altura em que não sabíamos onde terminava o outro e começávamos nós. Por outro lado, é também determinante aquele que em nós investe e que por nós é investido, e que dança com as nossas solicitações de suporte ao seu próprio ritmo. Quando esta dança é harmoniosa, o encontro é feito de passos suaves e ligeiros, mesmo que em terreno pantanoso. Mas caso haja uma desarmonia demasiado dura, cria-se um fosso onde a dor, real ou antecipada, física ou psicológica, poderá eventualmente proliferar.


Do nosso lado, nada podemos fazer para lutar contra a dor que o corpo sente. Mas contra a dor que a alma grita, nessa já podemos ajudar, lutando não por si mas consigo.  



Drª Carolina Franco
O Canto da Psicologia



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