quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Quando há mães e pais, quem precisa de supernanny's?





Quando se senta no nosso sofá, vemos o seu cansaço. Percebemos que provavelmente já está assim há muito tempo, que talvez não saiba precisar ao certo quando tudo começou. Sucedem-se os desabafos, as queixas, as lágrimas. É assim ser-se pai ou mãe. Desafiante, desesperante por vezes, mesmo que simultaneamente o melhor do mundo. Primeiro pequenos seres no nosso imaginário, depois pequenos pés que correm pela casa. De repente olhamos para trás e não percebemos como é que o tempo passou tão rápido. Será que desfrutámos destes tempos que já não se repetirão? Será que fomos os melhores pais que conseguimos ser? Ser-se pai ou mãe também é repensar o filho ou filha que se foi, é pensar no pai e mãe que se teve. É o reunir de vários papéis numa só pessoa, num jogo entre o passado, o presente e o futuro, com sonhos, memórias e até algumas mágoas à mistura. E às vezes conciliar todos estes papéis é duro, muito duro.

Os desafios da parentalidade são muitos. As dificuldades são constantes, quer se fale em bebés, crianças ou adolescentes. Birras, gritos, exigências, insultos, agressões… garantimos-lhe que já vimos de tudo. Sabemos bem que lhe é difícil passar por isto, que deseja outra realidade para si e para a sua família. Que talvez não durma bem, que chore em silêncio e sem que ninguém veja, que se culpabilize demasiadas vezes, que oiça todos os conselhos que lhe dão de forma ávida, como se alguém, algures, tivesse uma solução mágica. Mas será que ela existe?

Nós n’O Canto da Psicologia, enquanto profissionais com forte sentido crítico e com responsabilidade profissional, não podíamos deixar de lhe dirigir algumas palavras após a estreia do programa de domingo da SIC, Supernanny. Lemos comentários a favor, que apontam o estado de cansaço e desespero de muitos pais, a quem faltam ferramentas para lidar com filhos vistos como cada vez mais insubordinados e exigentes. Outros são contra o programa e consideram condenável a exposição pública das crianças, tendo já surgido inclusivamente comunicados de organismos de relevo, onde é apontado o risco de violação dos direitos das crianças perante tal exposição, levantando-se questões éticas graves que são incompatíveis com o exercício profissional em Psicologia. É com esta posição que nos identificamos, e de facto muito haveria a dizer sobre este programa, que transmite uma imagem deturpada do trabalho de um psicólogo, com conceitos básicos distorcidos ao ponto do não-reconhecimento.

Foi negada a uma criança o direito à sua privacidade e intimidade, e não se procurou compreender o significado dos seus atos; quantos gritos de socorro não estão mascarados de mau comportamento? Houve ainda o infantilizar de uma mãe, um substituir total na sua função materna, após esta, na sua fragilidade, ter pedido ajuda. Mãe e filha ficam à mercê de alguém que diz a ambas o que fazer, colocando-as numa posição equivalente e de submissão. Transmite-se ainda a ideia de que em meia dúzia de encontros se restabelece a harmonia familiar, mediante a adoção de uma atitude firme por parte da mãe, sempre orientada (ou será controlada?) pela psicóloga. Parece-nos essencial destacar que nem esta é a realidade de todas as famílias, nem esta é a maneira como todos os profissionais trabalham.


Para nós, aqui n’O Canto da Psicologia, o aconselhamento parental é outra coisa. Quando se sentam pais no nosso sofá, com a extraordinária coragem de fazer um pedido de ajuda, pensamos que estes talvez também precisem de amparo, de alguém que os ajude a ver por detrás do nevoeiro e que os acompanhe nesta jornada, mas nunca os substituímos no seu papel de pais. No nosso entender, não nos compete enquanto psicólogos dar-lhe receitas mágicas para os seus problemas, numa omnipotência arrogante, como se soubéssemos melhor que qualquer pessoa o que convém à sua família. Estamos dispostos, isso sim, a encontrar essas soluções consigo. Através do diálogo e da compreensão, durante o tempo que for necessário, e com afeto, confidencialidade e total respeito pelas características de cada um, sejam adultos ou crianças. Cada caso é um caso, e cada família é única. Se precisar, nós estamos por aqui para vos ajudar a redescobrir o vosso caminho ao encontro uns dos outros.



Drª Carolina Franco
O Canto da Psicologia


2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto e pela posição tomada! As fragilidades parentais ao serviço do novo paradigma "reality show"... O choque é a memória que perdurará na construção da identidade da criança visada e na caminhada de uma mãe que pediu ajuda, sabe-se lá como e porque o fez! Por mais medidas que se tomem, esta sociedade chegou até aqui, chegou mesmo, batemos no fundo!
    Sair dele é o caminho...

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    1. Muito obrigada Vera pelo seu comentário!!
      Desde já as nossas desculpas por só agora estarmos a responder...
      Felizmente, a esta altura, o programa já foi suspenso...
      Por aqui, teimamos,com orgulho, na ideia de que os comportamentos aparentemente disfuncionais das crianças são só o sintoma de que o casal ou a família, estão doentes...

      E isso sim, é o verdadeiro problema de todas as familias...
      Muito obrigada mais uma vez...
      O Canto da Psicologia

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