quarta-feira, 26 de abril de 2017

Isso de aparecer na televisão...





(Pedido de desculpa pela merda que fiz à Fátima Medina e ao Vasco Granja, que deve estar a exibir desenhos animados da Checoslováquia aos anjinhos que se portam mal)

A caixa colorida teve em tempos um voluptuoso entrementes: locutoras de continuidade. Nesse meio tempo, nenhuma delas em mim suplantava a Fátima (lá em casa varria-se o Medina porque ela era família). Se ao pé dela a Valentina Torres e a Isabel Baía pareciam a parte de trás de um esquentador, o assunto deixou de ser passível de discussão quando ela teve a fineza de me endereçar um convite para ir à televisão participar num programa por ela apresentado. Como aquilo se decorava com putos, lá aparecemos, eu e aquela coisa que me obrigavam a tratar por mana, num programa para miúdos chamado “Tu és capaz”. Só me lembro disso, de ser um programa para miúdos chamado “Tu és capaz” - a RTP Memória que me tire do cansaço que é este esquecimento com mais de 30 anos…

Desse primeiro confronto com as câmaras e com o frémito de um direto (não sei se foi, mas vamos fazer de conta que sim), ficou-me a memória vívida de trocar umas murraças com um pirralho de jardineira e cara de bolacha maria antes de irmos para o ar. Ganhei. A mãe do outro puto não gostou da fruta e a Fátima viu a refrega. Acho que a impressionei. Já a mamã cá do diabrete aplicou-lhe o clássico par de laustíbias correspondente - Dona Eugénia sacode o pó até às estrelas de televisão.

Voltemos à Fátima, que fez muito coração palpitar por 1981 e arredores. Tinha corpo de ampulheta, sorriso de mil paus (calão para escudos, juventude) e uma alegria radiosa. Foi lá a casa e correu bem. Levou o marido, o Pedro Cunhal. Sobrinho de Álvaro Cunhal. Alguém bestial e mais qualquer coisa acabada em al. Andei de pistolas à cintura montado nele - no Pedro, não no Álvaro - pela sala de jantar em fúrias de John Wayne (outro grande amigo...), com a Fátima a fazer de conta que estava presa junto ao móvel para eu a salvar. Consegui, claro, porque os índios aproximavam-se com perigo, já tinham chegado a Linda-a-Pastora, acampavam junto ao Jamor e essa malta não andava ali propriamente a dar milho aos pombos. O Pedro fumava – levei-lhe o melhor cinzeiro para a mesa depois daquela nossa aventura–, e trazia uma abigodada simpatia. Soube depois que entre o Pedro e a Fátima tudo acabou em lágrimas, mas nada pude fazer porque entretanto voltei à televisão.



Seguramente arrebatada pelo meu “cross” de direita e integral desprezo por inibições, a Fátima enfiou-me num programa do Vasco Granja. Não foi o sucesso esperado. Aborreceu-me até às lágrimas o bolorento mini-ciclo de animação polaca que ele mostrou e vinguei-me quando o tio Vasco passou à entrevista aos três bambinos que ali estavam alapados. Não deixei os outros dois sequer piar e pareceu-me de absoluto propósito indagar porque não víamos o Pernalonga (Bugs Bunny do outro lado do charco atlântico) e ainda contei a história da vez em que mijei para uma valeta, caí lá para dentro e fiquei cheio de caca – engolida pela vergonha, a minha mãe esbofeteou-me em loop e disse que eu nunca mais punha os calcantes na televisão. ‘Tá bem...

Regressei uma mãozinha de anos depois para o Sebastião Come-Tudo, um embuste culinário com o Goucha ao comando. Fingimos fazer ovos moles de Aveiro e apareceu aquela alimária do Lecas vestido de moliceiro. Ainda devo ter esse desastre dentro de uma cassete Beta. Na verdade (essa desmancha-prazeres) o Goucha foi de um profissionalismo à prova de reparo e para os miúdos um bariláceo ou uma grande senhora, dependendo de como vão os índices de preconceito de quem ainda conseguiu aqui chegar e ler este relambório.

Depois, a Leonor ensinou-me a dar linguados – ela usava aparelho e eu fiquei a achar que beijar era chupar uma caixa de ferramentas - fiz-me aos jornais, passei a acordar ainda mais tarde, cortei com o álcool e também com a televisão, até que o Mamede Filho me passou a ligar de quando em quando para eu ir à Sport TV + fazer diagnósticos ao nosso futebol, um senhor que, a avaliar pelo último raio-X, anda muito mal de saúde e pode finar-se antes ainda que este texto acabe. A Sport TV + um canal com gente bonita, cheia de promessa e onde me retiram a remela na maquilhagem. Tem corrido bem: a minha mãe não vai comigo; não ando à castanhada atrás das câmaras; a Fátima iria aprovar lá onde ela está, que não sei onde fica, e não contei a vez em que mijei para a valeta, caí lá para dentro e fiquei cheio de caca. Ainda…


Filipe Alexandre Dias
O Canto da Psicologia



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