Johnny chamava-se mesmo assim, surgiu do
nada, bateu-me em tudo e fez com que o mundo me pontapeasse no plexo solar. Das
sardas a um par de olhos refulgentes, dos brinquedos marcianos que arrecadavam
os meus legos na Idade Média sem remissão até ao cabelo cor de fogo, Johnny
vinha de outro planeta, todos o queriam, acordou-me para as minhas imperfeições
e a maltosa lá da rua pôs-me de lado como quem larga um mau hábito. Johnny não
sabia juntar as palavras que eu conhecia, soltava coisas ininteligíveis que
arrancavam risos a todos - menos a mim… - e um dia procurava alguém com quem
brincar na ruela que só passou a ter olhos para ele mas que naquele dia só nos
encontrou na nossa pequenez. Tinha uma bola oval, esquisita, com cordões de
lado. Diferenças que me deixavam em erupção. Instantes depois, lembro-me de o
ver curvado a sangrar profusamente do nariz - cortesia do malévolo soco que lhe
dei por trazer tantas invejas no punho. Antes de passar pela minha mãe em
cambaleios e choros, Johnny falou pela primeira vez em português mascavado a
caminho de casa: "Elhe não gota de mim..."
Seguiu-se a carga de lenha
que D. Eugénia tão bem me aplicava no lombo. Pingos secos vermelho-criança
ficaram anos a pintar o lajedo do jardim. Um lembrete do traste que eu podia
ser e do Johnny que não tornei a ver.
Sinto todas as doenças ao achar que não
gosto de alguém. Não gosto de achar que não gosto. Nunca mais soube não gostar
desde Johnny. É o medo de, por afinal tanto gostar, enfrentar a imensidão do
que em mim não gosto.
Johnny, tu que não me lês, ficas a saber que
voltei a andar ao biscoito, não levei a porrada toda que merecia, mas nunca
mais me fugiu um pedido de desculpa. Só falta mesmo pintar umas sardas, fingir
que sou bonito e que me partam o nariz para ser bom como tu. Achas que é
tarde?….
FILIPE ALEXANDRE DIAS
Jornalista
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