terça-feira, 16 de abril de 2013

Um Olhar sobre o espelho da Anorexia





“Olho-me. Contemplo o meu corpo transfigurado. Debruço-me sobre os braços, depois as pernas, o tronco. Toco a pele, gelada. Devia agasalhar-me, mas não sou capaz. Quero continuar a olhar para mim, assim, despida do tudo aquilo que vai enchendo este vazio e que, numa luta comigo, se constrói como disfarce do que tento ser e não sou. Por isso gosto de me olhar aqui, ao espelho. Porque é no espelho que me encontro comigo. Nele, sou capaz de me olhar por dentro.






Ao mesmo tempo, odeio. Odeio sentir que ainda não alcancei a meta, e que o meu corpo está como quero. Sinto repugnância por este corpo, que não corresponde ao que desejo. Ainda assim, o espelho tornou-se o meu maior aliado. É no reflexo dele que consigo entrever quem sou. E agarro a face, como tantas vezes tento agarrar a pele ou o corpo, porque me dá este sentir dos limites do que me faz pessoa. É quando toco no meu corpo que entendo os limites de mim. Porque, aos poucos, ele se transformou em qualquer coisa que finalmente vou sentindo ser capaz de controlar – Esta revelação surpreendente na minha vida, onde tantas vezes tão pouco fui capaz de sentir, de reter. Onde tantas vezes me senti volátil, à mercê dos outros. E agora, percebo: pelo menos o meu corpo, consigo que seja o que eu quero ser. Consigo transformá-lo, ajustá-lo, enchendo e esvaziando, à mercê do que eu quiser. Sempre em luta. Uma luta que agora é só minha e onde acredito que poderei ser vencedora.





Perdi peso. Algum peso. Mas não tanto como os outros me querem fazer ver. Esses outros que têm como prato preferido fazer de mim aquilo que não sou. Agora sinto-me Eu, quando toco a minha pele e o meu corpo. Sei que estou ali e que sou Eu, Maria, Madalena, Isabel. Não importa, não é o nome que me define. É o meu corpo. E consigo consolar a dor que outrora sentia, perdida no vazio de mim, sozinha nos recantos sombrios que me habitam, à espera de um resgate que nunca pareceu chegar. Quando me olho ao espelho, vejo que encontrei um cais. Este corpo que é paredão do que sinto, mas que agora existe, tem forma, tem cor, tem cheiro. Esta forma, esta cor e este cheiro que sou capaz de transformar.
No nada, o meu corpo foi tudo.
Tudo o que consegui controlar.”

Canto da Psicologia,
Dr.ª Joana Alves Ferreira





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