quarta-feira, 3 de abril de 2013



Porque é que as crianças devem ter o seu próprio quarto?

Mãe... Pai... Hoje quero dormir com vocês!
Tive um sonho mau, não consigo, não quero ficar sozinho! ... E se os extra-terrestres do sonho entram pelo meu quarto e me levam para longe? E depois, há aqueles monstros debaixo da minha cama, que à noite, mesmo à noitinha, quando todos dormem, insistem em soprar-me ao ouvido! E eu fecho os olhos, agarro-me à almofada, mas não chega! O que eu quero... É deitar-me no meio de vocês, enrolar-me nos lençóis e sentir o vosso quentinho!
Vá lá... Mãe, Pai... É só desta vez!”

E assim começa a história do “É só desta vez”... E que se repete, na vida e no seio de muitas famílias. Fruto da sábia persistência infantil, do cansaço parental e, quem sabe, de uma ou outra razão que cada um (des)conhece, este é o cenário que se prolonga por largos anos para algumas crianças, com danos e repercussões que importam ser pensadas.

Mas, afinal, porque é que é tão importante que o espaço da criança seja preservado e, dessa forma, que lhe seja concedido um quarto, único e singular?

É nesse espaço privado que se inaugura a noção do intimo e do individual. Será, pois, no quarto que a criança encontrará tudo o que diz respeito à sua intimidade: a cama, enquanto espaço do sono e do sonho, e os brinquedos, cuja importância, pelo acto do jogo e do brincar, se institui como fundamental para a estruturação psíquica. Trata-se, portanto, de um espaço de fantasia, onde o simbólico ganha dimensão. A criança pode ser herói ou vilão, vencedor ou derrotado, capturar ou ser resgatado, organizando o seu aparelho defensivo a partir das vivências que ocorrem no mundo simbólico que este espaço lhe permite. Efectivamente, o quarto é representativo da possibilidade da criança se confrontar com todo o tipo de angústias – a frustração por perder uma batalha, sentir-se pequeno e impotente ou herói, capaz de resolver grandes batalhas, separar-se dos pais e aguentar a possibilidade de estar sozinho. Mas é na possibilidade de se deparar com tais angústias que reside o potencial de crescimento. É, pois, a única via para que os monstros sejam vencidos, mesmo os que “sopram ao ouvido”.

Boicotar este espaço de crescimento é limitar o pensamento, é tirar asas à possibilidade da criança voar pela fantasia, pelo seu mundo interno, e nele elaborar os conflitos, as ambivalências e as angústias. É retirar ou, por outra, não dar acesso ao potencial criativo que reside em cada sujeito, não permitindo a constituição de uma matriz estruturante, fundada no pensamento, no jogo e no sonho.

Numa sociedade marcada pela confusão geracional, pela ausência de limites e pela constante transgressão da regra, importa aludir para este tipo de problemática, pelo impacto que tem na própria vida mental. A correlação é estreita e, nesse sentido, exige que seja pensada no colectivo. Pais suficientemente bons são aqueles capazes de respeitar o espaço individual dos seus filhos, mesmo quando isso exige frustrar-lhes minimamente o desejo.
O Canto da Psicologia,
Dr.ª Joana Alves Ferreira

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