quinta-feira, 31 de março de 2016

De são e louco todos temos um pouco...





Sobre a Normalidade

A palavra 'normal' deriva do latim e é um nome que designa uma régua, ou para ser mais preciso um esquadro. Por outras palavras, ela designa um instrumento que tem por objectivo certificar-se se existem ou não ir(regular)idades.
Em psicologia a palavra 'normalidade' é bastante problemática; ao ponto de fazer gaguejar alguns técnicos quando questionados sobre o que é afinal ser 'normal'.

'De sãos e loucos todos temos um pouco' é algo que se ouve com frequência; tal como a ideia que muitas pessoas criam de que para os psicólogos não existem pessoas totalmente saudáveis.
Em psicologia a palavra 'normal' confunde-se com a estatística. Nesse sentido, a 'normalidade' não é mais do que uma medida de frequência. Se um dado fenómeno é frequente dizemos que é normal, se é pouco ou nada frequente ou se é demasiado frequente então dizemos que é anormal.
A estatística, a noção de média e a ideia de normalidade são todas abstrações. Toda a gente sabe que na natureza não existem rectas; a única coisa que existe é irregularidade e rugosidade.

Como pensar então a normalidade no meio da rugosidade?

Em primeiro lugar é necessário entender que tudo o que é produto da mente ou do psiquismo desempenha uma ou mais funções. Da mesma forma que as pernas e as mãos desempenham funções, exatamente da mesma forma que o estômago o fígado ou os pulmões desempenham funções, a tristeza a agressividade ou a fantasia também desempenha funções.
Na verdade, todos os termos que consideramos psicopatológicos, como por exemplo a obsessividade, a paranóia ou até a esquizoídia, são funções normais da mente.
Pense o leitor no funcionamento mental como se de um bolo fatiado se tratasse. A cada fatia corresponde um traço da personalidade ou uma função mental. Assim, uma fatia pertence às fobias, outra à histeria, outra à depressão, outra à paranóia e assim por diante.
Para obtermos um funcionamento mental normal ou salubre, as fatias do bolo terão de apresentar uma particularidade: têm de ser flexíveis.
Se estivermos perante a morte de um familiar ou perante uma separação difícil é normal que a fatia da depressividade aumente de tamanho e que passe a ocupar o espaço das restantes fatias. Se a depressividade estiver a desempenhar a sua função adequadamente ela irá permitir reviver o passado, elaborar o que foi dito e sobretudo o que não foi dito, metabolizar a perda e resolver o luto.

Se estivermos numa situação potencialmente perigosa é normal que a fatia da paranóia ganhe predominância ocupando o lugar das outras fatias. Estaremos mais atentos a sinais de perigo, e mesmo que na verdade não exista motivo para preocupação, teremos sempre a possibilidade de nos precavermos com antecedência.
Alguns tipos de fobias/medos são igualmente importantes, porque efectivamente existem animais e situações que nos colocam em posição de perigo.
Mesmo as funções mais primárias da mente, isto é, do espectro psicótico, são importantes no que diz respeito à criatividade e à inteligência.

O que não é normal é a inflexibilidade e a rigidez das fatias deste bolo imaginário. O que não é normal é a desvirtuação destas funções mentais:

É normal ter medo de animais venenosos, não é normal ter medo de tudo ou estar sempre com medo. 
- É normal deprimir, não é normal estar sempre deprimido. É normal fantasiar, não é normal viver na fantasia.
- É normal ficar paranóide em situações de perigo potencial, não é normal  criar um mundo paranóide.
- É normal ficar irrequieto quando está angustiado ou deprimido, não é normal não parar quieto. 
- É normal querer seduzir um amante, não é normal erotizar qualquer relação.
- É normal ser meticuloso e perfeccionista para terminar um trabalho, não é normal não o terminar porque          unca está bom o suficiente. 
- É normal deprimir por acontecimentos tristes, não é normal ficar eufórico por acontecimentos tristes.
- É normal ficar ansioso, não é normal converter essa ansiedade em doença física.
- É normal temer pela própria saúde, não é normal fantasiar constantemente com a doença.
- É normal zangar-se, não é normal estar sempre zangado.

Dr. Fábio Mateus
O Canto da Psicologia


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